No chiado da chuva, em meio ao balanço de sombras das árvores em uma noite de vento frio. Cansado do exaustivo dia de trabalho, ele se senta na poltrona macia da sala e começa a ler um livro inspirado pela solidão. A orquestra criada pelo chiado da chuva junto ao irritante som do vento batendo nas paredes, dava àquele ambiente um aspecto romântico e sombrio, o que lhe causava imenso prazer e criava em sua mente fantasias de amor.
Movido por um intenso instinto de desamparo, deixa o livro marcado na página errada sobre o vidro da mesa de centro e vai em direção ao quarto. Ao abrir a porta barulhenta do quarto se ajoelha ao lado da cama, logo toma nas mãos uma caixa de sapato com um design colorido, senta-se na cama e abre a caixa. Talvez torturado pela discórdia, aquele não seria o melhor dia para ele relembrar o passado, mas o fez, afinal nada que fizera no tempo certo dera certo, então não há porquê espera-lo.
Na caixa haviam fotos, cartas, desenhos e uma chave. Fotos de quado criança com seus pais e na adolescência com seus amigos. Cartas de pessoas que até alguns anos atrás lembravam dele. Desenhos, sim desenhos, ele adorava desenhar quando era jovem, até ganhou um prêmio da escola por melhor desenho. Mas e a chave, ela era o único objeto naquela caixa que ele não conseguia recordar.
Seria a chave de uma casa, carro ou armário? Não, muito comum, se fosse de algum deles não estaria aqui guardado, não teria certo significado. O que mais o prendia a atenção era um pingente pendurado a chave, com o simbolo "永遠" escrito, que significa "para sempre". Teria ganhado de um relacionamento antigo, seria um objeto para lembrar de alguém ou apenas uma chave com um pingente qualquer. Seja lá o que isso significava, ele não ia sossegar até encontrar o real sentido de tudo aquilo.
Tudo ficou mais claro quando revirando a caixa encontrou um papel duro desenhado o mesmo símbolo japonês do pingente, e logo embaixo vinha escrito "Alice". É uma pista, contudo ele não fazia a menor ideia de quem seria Alice. Revirando um pouco mais encontrou uma foto em preto e branco em que estava com uma garota pouco mais baixa que ele e vestia um espartilho, atrás da foto estava escrito em inglês "Para sempre Alice", virou a foto imediatamente para tentar relembrar o rosto, mais uma vez ele não conseguiu se recordar daquele rosto ingenuo sobre um corpo magro. Em uma última busca na caixa colorida ele encontra o essencial, uma carta de Alice, ele leu a carta que dizia, "Se nós não podemos viver juntos, não há porque viver. Te amo, Alice." e por sorte no envelope estava escrito, com uma letra extremamente simétrica, o endereço.
Minutos depois já estava dentro do carro, e tomou direção à cidade descrita no endereço. Duas horas e chegou a cidade, na verdade não era muito bem o que podemos chamar de cidade, não passava de um enorme campo com algumas casas perdidas. Passando de carro ele reconheceu uma das casas, ela estava exatamente como na foto que encontrou na caixa colorida, nada havia mudado. Desceu do carro e foi em direção a casa, não foi preciso chamar, ao que ia se aproximando uma mulher loira abre a porta. Sem cerimônia ele pergunta "Você é Alice?" e ela logo olha para ele com um olhar assustado e responde com um linguajar caipira "não, por que?". Sem dar a menor importância a pergunta da mulher, e sem se apresentar, ele pergunta "conhece alguma Alice que viveu nessa casa?" ela pensou um pouco e logo em seguida responde "não viveu nenhuma Alice aqui não, antes de ser minha casa isso aqui sempre foi uma escola".
Ele sabia que ela estava mentindo em relação a não conhecer Alice, estava claro em sua expressão facial. Não foi muito difícil faze-la contar a verdade depois de propôr algumas moedas. Então ela resolveu contar a verdade, "Eu conheci muito pouco essa tal Alice, ela não saia muito de casa, foram raras as vezes que a vi no jardim. Um dia seu pai saiu furioso a cavalo e minha mãe e eu, sem entendermos nada, fomos até a casa dela saber o que havia acontecido. Chegando lá encontramos toda a família em desespero e a mão de Alice disse que a filha teria fugido e deixou um bilhete escrito que já que os pais não permitiam o namoro ela preferia a morte. Depois disso ela nunca mais foi encontrada. Muitos acreditam que ela ainda está viva a procura do amor, e muitos confirmam já ter visto o fantasma dela cantando a música Forever, We'll Die Toguether".
A mulher loira o levou até a antiga casa de Alice, o deixou no portão e foi embora. Ele gritou diversas vezes mas ninguém atendia a porta, então tomou liberdade e entrou, afinal a porta estava semi-aberta. Apesar de estar toda mobiliada, percebia-se que fazia um bom tempo que nenhuma pessoa passava por ali. Estava tudo coberto por teias de aranha e poeira, exceto um toca-discos com um vinil e a agulha para no meio do disco, ambos estavam brilhando. Por curiosidade ele liga o toca-discos e começa a tocar Forever, We'll Die Toguether. Ele não liga, pois nunca acreditou em espíritos.
Continuou explorando a casa e resolveu subir as escadas, quando estava no terceiro andar ele se depara com uma porta de madeira riscada com algum objeto cortante, com a imagem do simbolo japonês que estava no pingente. Pensou que a chave pudesse pertencer àquela porta, contudo a porta estava aberta e ao testar viu que era muito pequena, mas algo o dizia que era ali que estava a resposta.
Ao entrar no suposto quarto vem uma única lembrança, a certeza de que ele havia transado com alguém ali, provavelmente Alice. Olhou para todos os lados e não viu nada suspeito, quando estava indo embora lembrou como todo esse mistério começou e logo se ajoelhou ao lado da cama e olhou para baixo dela. Não havia exatamente nada além de poeira, porém viu que uma das tábuas do assoalho estava com o prego solto. Empurrou a cama e assim que a luz tomou a tábua, viu-se nitidamente o simbolo japonês esculpido nela. Ao levantar a tábua encontrou um baú, um pequeno baú de no máximo trinta centímetros de comprimento e dez de altura. No mesmo segundo pegou a chave que tinha guardado no bolso e abriu o baú.
Ele se assusta absurdamente, pois ao abrir ele se depara com uma serpente que sai do baú e se enrola a mais ou menos um metro de distancia dele. No fundo do baú havia uma carta. pegou a carta e pô-se a ler, "Meu amor, durante esse tempo tenho tornado essa serpente escrava da minha dor, ela chora e se exlta por mim, esperando pelo momento em que você a encontrasse para enfim vivermos nossos sonhos juntos. Ela é a ligação do nosso amor, venha sentir o prazer de estar junto a mim". No mesmo instante a serpente o ataca e ingere sua carne quente, deixando apenas os ossos e o coração que pertencia a Alice.
Suas almas nunca se encontraram, o desejo de posse tornou Alice fria e presa a uma "realidade" totalmente oposta a de seu querido, pois mesmo sozinho ele sempre demonstrou a fé no sentimento chamado amor, e não posse.
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